Culturana Cesta e revista Dialogo Urbano

20/08/2010 19:20

BASQUETE ARTE PELA VIDA.

Por Paulo Brito

O relógio marca 6h. Do alto dos seus 2,01m de altura, Wanderson Gere-mias ou, simplesmente, WG, como é conhecido, já se espreguiça, mas com cautela para não tocar no teto. Assim que termina a higiene pessoal, inicia sua rotina cotidiana: ler e responder e-mails de amigos, empresas, emisso-ras de TV; entrar em contato com parceiros em potencial para o projeto de basquete de rua que desenvolve há cinco anos no Cesarão, em Santa Cruz, na zona oeste do Rio de Janeiro.

 

Em dezembro de 2005, o projeto de Basquete de Rua do Cesarão, de-nominado de “Cultura na cesta”, saiu do papel. No início eram apenas cinco crianças e, hoje em dia, existem 182 inscritos e a procura continua aumen-tando. As oficinas são realizadas às terças e quintas, das 17h às 19h, no Cen-tro Integrado Sementes do Amanhã (CISA). A quadra disponível não possui refletores, mas isso não impede que as atividades beirem à noite. Outro fator marcante é a determinação e a força do improviso: qualquer espaço, seja o quintal da sede ou a rua prin-cipal da comunidade, servem como quadra imaginária para as ações recreativas implementadas por WG.

 

 

 

O objetivo do ex-jogador de basquete profissional e um dos mentores da iniciativa, Wanderson, que chegou a atuar pelo Botafogo, é o de desenvolver um trabalho esportivo, cultural e de integração social, num proces-so contínuo. A formação de atletas que possam atuar pelos clubes brasileiros sempre é uma meta, mas não a principal. O que se pretende, realmente, é a construção, em grupo, de uma consciência cidadã, por intermédio do esporte.

 

 

“Se você entrega um livro para uma criança ou uma caneta, ela olha, analisa, mas não é certo que vá participar de algo, que surja um interesse natural por aquilo. Agora, entrega uma bola e diga para essa criança que ela só vai participar se estiver estudando e bem no colégio, se tiver respeitando os pais. O interesse é quase que automático. A nossa vontade é de fazer a criança e o jovem terem conhecimento dos direitos e deveres no mundo. E a bola faz essa conexão legal”, diz.

 

De acordo com WG, o espaço hoje utilizado para a realização das oficinas era praticamente deserto e sem iluminação, o que contribuía para um mau uso do terreno, no passado. Alguns menores utilizavam o espaço para poderem se desvincular do mundo através do uso de entorpecentes. A partir do momento em que o projeto começou a ser implantado, um desses jovens pediu para participar das atividades desenvolvidas ali. Os olhos de Wanderson brilham ao comentar que, por falta de uma base familiar sólida e, ainda, devido a pouca infra-estrutura do projeto que engatinhava, o menino permanecia na vida à margem da sociedade. WG fez questão de ressaltar a reintegração do rapaz no mundo, durante o tempo em que ele resolveu participar do “Cultura na cesta”.

 

“No local onde a gente começou a praticar o basquete tinha umas mo-vimentações estranhas. Aí, quando o projeto foi iniciado, as pessoas que poderiam fazer algo de errado saíram do local, pois viram a seriedade do nosso trabalho. Uma dessas pessoas, chegou até a participar de algumas ati-vidades conosco, porém, a falta de uma estrutura familiar e, ainda, a pouca estrutura que tínhamos, não foram capaz de convencê-lo a ficar mais tempo no projeto”, lamenta.

 

Por ironia do destino, apesar de lidar com mais de uma centena de jo-vens, Wanderson sofre, silenciosamente, o drama de se ver afastado de uma criança em especial, sua filha, devido a problemas conjugais. Ele mesmo ad-mite que não gosta de misturar o lado pessoal com o projeto, por isso evita tocar no assunto.

 

Sementes que já dão frutos

 

Atualmente, oito meninos que começaram no “Cultura na cesta” estão espalhados pelo Vasco e pelo Flamengo. O sonho de WG faz coro ao sonho de todos, inclusive ao de uma das co-ordenadoras de projeto, Vania Geremias Nunes, que espe-

 

ra, algum dia, ver um dos jovens vestindo de um grande clube profissional e, ainda, da seleção.

 

“Sonho que eu ainda vou ver alguns deles partici-pando da seleção. Em 2016 teremos algumas de nos-sas crianças representando o país e eu estarei aqui torcendo”, idealiza.

 

Um dos meninos atendidos pelo projeto já trei-na no Vasco da Gama. Cheio de sonhos e com um futuro promissor, Daniel dos Santos, de 12 anos, é apontado por Wanderson como um provável grande jo-gador. O garoto se destaca pela habilidade e rapidez e, tal qual seus companheiros de projeto, se imagina defen-dendo um grande clube de basquete do país e, também, a seleção brasileira. Daniel conta como conseguiu entrar no Vasco da Gama:

 

“A peneira do Vasco foi aqui perto, eles vieram até a gente. Os técnicos estavam presentes e eu, graça a Deus, junto com mais outros quatro meninos, passei e hoje trei-no lá em São Januário. No futuro eu estarei vestindo a camisa da seleção”, diz otimista.

 

Dificuldade em conseguir parceiros

 

“Eu ouço ‘não’ há cinco anos”. Wanderson reclama das dificuldades em conseguir parcerias para um desenvolvi-mento maior do projeto que ele executa. A complexidade em angariar fundos de empresas é inversamente propor-cional a ajuda recebida através de pessoas comuns. Para o instrutor, o fato do Cesarão não ser uma comunidade que está sempre na mídia, atrapalha neste sentido.

 

“A gente é a ‘comunidade da comunidade’. É status mo-rar na Rocinha, no Vidigal, na Cidade de Deus. Lá tem 500 projetos. Agora vai ver quantos projetos tem aqui no Cesa-rão. Nossa dificuldade é maior ainda, pois moramos numa comunidade onde ninguém quer fazer nada”, desabafa.

 

Com perseverança e bom humor, WG não pensa em desistir de tentar patrocínios. A ideia é, futuramente, cons-truir um Centro de Treinamento de Basquete de Rua, na comunidade, além de aumentar o número de pas-seios  culturais  e  de  apresentações  realizados pelos  meninos.  No  que  depender  do  esforço,

 

tudo será conquistado em breve.

 

“Hoje  em  dia  está  tudo  complicado  pra gente,  mas  eu  estou  batendo  na  janela.  Se a porta é fechada, eu tento entrar pelos fun-dos. Se, mesmo assim, não abrir, eu começo a gritar, pois uma hora vai aparecer alguém”, brinca. O tom de WG volta à seriedade ao falar  sobre  o  trabalho  que  promove  e  da imagem  que  pretende  passar:  “A  gente quer  mostrar  que  o  basquete  não  é só esporte. Queremos mostrar que o basquete é cultura e arte também”,

 

conclui.